Monark x Gabriela Prioli: quem ganhou foi a briga
A treta que é uma aula sobre economia da atenção e radicalização de grupos virtuais.
Se você sabe do que eu estou falando, muito provavelmente já decidiu quem ganhou a briga. Pode ser que esteja no time dos que estão amando a surra retórica de Gabriela Prioli, comemorando uma vitória do conhecimento sobre o achismo. Pode ser que esteja no time dos que estão amando a forma como Monark desmascara a arrogância dos nossos intelectuais, que podem ensinar mas escolhem mostrar que são superiores. Tanto faz, não vou falar disso.
Vou falar de Cidadania Digital, economia da atenção e radicalização de grupos virtuais. Nessa treta, ambos os lados saíram vitoriosos para quem já gostava deles. Pregaram para convertidos e chegaram a um público maior, os novos convertidos. É a matemática clássica da geração de publicidade das redes.
A melhor forma de fazer crescer um perfil, um canal ou uma marca na economia da atenção é rivalizar com alguém. Trata-se de um debate em que nenhuma das partes verá a outra como humana ou bem intencionada. Também não será sincero. É um debate feito para ganhar na retórica, entreter, não para convencer nem cativar.
Quanto mais esse debate energizar os seguidores que um e outro já têm, mais ele será compartilhado. Pouco importa o que digam e de que lado fiquem. Não mudarão de lado, não serão convencidos de nada, vão se aferrar mais ainda às suas antigas posições.
Ocorre que esse conteúdo vai chegar a um público maior, só que já no contexto dos comentários e da incitação ao posicionamento. É a hora em que ambos os públicos vão crescendo, com gente que entra na discussão. Quanto mais baixaria rolar, mais os algoritmos vão distribuir as postagens.
Quem ganhou a briga entre Gabriela Prioli e Monark foi a briga. E eles dois, que merecidamente tiveram um boom nas redes e fidelizaram seus seguidores. Já os seguidores em si ganharam a reafirmação de que fazem parte de um grupo que luta pelo que é certo e puderam xingar a performance do outro grupo, o errado. Em tempos de caos, é o que mais o ser humano demanda. Já o debate público não ganhou nada.
Eu sou do time que só opina sobre temas que entende. E a Gabriela Prioli realmente traz à tona algo que é preocupante, o debate permeado de afirmações falsas, mentiras mesmo, disfarçadas de opiniões. Há uma confusão proposital entre fatos e opiniões. Está chovendo e o fulano diz que acha que não está, é opinião dele.
Ocorre que você não precisa saber de cabeça todos os dados de algo para poder debater. Foi um recurso retórico que ela utilizou para encurralar o oponente no debate. A educação melhorar como um todo porque universalizamos um ensino que era para 70% da população não significa que melhorou para todas as pessoas. A melhoria é a média e vai ter gente para quem realmente piorou.
Reconhecer e validar a experiência pessoal das pessoas é importante. Descer do salto alto também. Gostamos de pensar que somos racionais e decidimos tudo de acordo com fatos. Não somos. Somos seres emocionais que pensam e tomamos decisões mais com base nas emoções do que com base em raciocínio. Se queremos que a sociedade valorize o conhecimento, ela tem de amar o conhecimento.
Fato, opinião ou sentimento?
No meu e-book “Tratamento de Choque”, eu desdobrei algo que uma apoiadora muito querida, Anise, professora universitária, me ensinou. Opinião e sentença são palavras que, na origem, têm a ver com sentimento e nós demos a elas, com o uso um caráter laudatório.
Quando alguém opina sobre algo sente-se como se estivesse dando um parecer e assume compromisso com aquilo. Aprendi com o ministro Marco Aurélio Mello a jamais pedir que alguém mude de opinião. “Vamos evoluir nessa opinião” era a frase que me sugeriu. As pessoas casam com opiniões, inclusive as erradas.
Defendo que temos o direito de falar tudo e o dever de ser claros sobre o tipo de expressão que é: FATO, OPINIÃO ou SENTIMENTO. Explico:
FATO: é algo objetivo e verificável. Por exemplo: está chovendo, ela está grávida, fez sol ontem, hoje é 16 de maio.
OPINIÃO: é quando eu me manifesto sobre um tema sobre o qual eu tenho conhecimento dos fatos e também preparo técnico. Por exemplo: eu nessa newsletter falando de comunicação, um virologista falando de COVID, a Gabriela Prioli falando de Direito, o Monark falando do mercado de podcasts.
SENTIMENTO: é o freestyle total que todos temos o direito de manifestar sobre qualquer coisa, sem nenhum compromisso de estar certo ou ter relação com fatos ou a realidade.
Você precisa ter dados e preparo para opinar sobre algo mas não para ter impressões e sentir. É legítimo muitas pessoas terem a percepção de que a educação no Brasil piorou mesmo que os dados não digam isso.
Logo que meu filho nasceu, trabalhei no departamento de marketing da CCR, uma gigante das concessões públicas de transporte. Fazíamos pesquisas de satisfação com os usuários. Às vezes, os resultados eram completamente apartados da realidade e precisávamos entender os sentimentos para resolver problemas.
Por exemplo, se um meio de transporte atrasa frequentemente, é comum as pessoas expressarem insatisfação com a limpeza, a segurança e o atendimento dos funcionários. Resolvido o atraso, elas passam a elogiar mesmo que nenhuma alteração tenha sido feita. Elas não mentiram, elas realmente sentiram isso.
A Cidadania Digital nos propõe uma escolha. A economia da atenção, da qual dependem as redes sociais, foca em decidir quem está certo ou errado. Para construir um mundo melhor precisamos focar em como solucionar problemas e conviver com diferenças.
Vi algumas pessoas muito orgulhosas defendendo Gabriela Prioli e dizendo que é preciso se informar, saber do que fala. Vibraram que ela deu aula de jornalismo a Monark, só que ela não é jornalista. Muitas dessas pessoas estavam outro dia pedindo prisão do Waingarten por mentir em CPI e jurando que isso é uma opinião informada.
Também vi muita gente defendendo o Monark com a teoria de que vale tudo em papo de bar. Eu quero ver se alguém mandar uma afirmação completamente maluca sobre o assunto que essa pessoa mais estuda na vida, qualquer que ele seja. A pessoa não vai achar que está tudo bem.
Somos incoerentes. Podemos até um dia ser Gabriela Prioli e no outro dia Monark. Ou até ter as duas correntes de pensamento convivendo dentro de nós. Precisamos parar de formar timinho, de ter vergonha de nós mesmos, de idealizar nossas virtudes e de enxergar os outros como inimigos.
A convivência nichada pelas redes sociais cria a lógica de que eu faço parte do grupo bom e tudo o que vem de fora é ruim. Temos cada vez mais conversas em que ninguém se ouve, em que a escuta serve apenas para rebater o que o outro está dizendo. Não acho que precisa parar não, só acho que precisamos entender que é espetáculo, entretenimento, diversão. Levar a sério é o erro.
A pandemia nos mostrou o quanto é urgente que mais pessoas tomem consciência da necessidade de diferenciar fatos de opiniões e sensações. Isso acontecerá quando essa mensagem for passada com base no fato de que não somos seres racionais, somos seres emocionais que pensam.
No caos de manipulação de informação em que nós estamos, o convencimento tradicional desapareceu. Trazer a razão de volta hoje depende de convencer pelo coração. Deixo vocês com Eva Wilma:
Muito legal, contente aqui, más um espaço, muito boa a sua análise!
O Monark mandou um tweet dizendo que "sentia" que o lockdown era uma medida ideológica. A análise sobre o indivíduo que emite a opinião é tão ou mais importante que a mesma