Urna eletrônica: Ciro Gomes pode ter razão, reflita melhor
Usar fatos para combater narrativas compartilhadas em bolhas sociais é anticiência, não adianta nada e ainda radicaliza mais o debate.
Ciro Gomes aderiu à ideia de ter urnas que imprimam um recibo em papel, que não pode ser levado embora pelo eleitor e fica numa caixa inviolável para conferência, se necessário.
A internet foi à loucura. Ele não contratou à toa João Santana para ser marketeiro, contratou porque faz barulho. Fez.
É preciso separar a história do recibo impresso das alegações infundadas de fraude. São dois fenômenos diferentes e de épocas diferentes que são colocadas agora num mesmo contexto, o da Cidadania Digital.
Aliás, sobre CIDADANIA DIGITAL, tenho uma novidade da qual falo há muito tempo e só vou anunciar segunda publicamente, mas estará no pé da newsletter porque vocês são meus assinantes.
As pessoas estão reagindo a esse fenômeno como se estivéssemos no século XX, antes da Cidadania Digital. Contrapõem fatos e argumentos para convencimento. Utilizar essa estratégia hoje, sozinha, só faz com que cada grupo se feche mais e crie uma competição de quem rejeita mais o outro grupo.
No dia 11 deste mês, eu fiz um artigo sobre este tema na minha coluna na Gazeta do Povo, analisando a estratégia de comunicação do TSE, que é do século passado e não será efetiva diante da realidade de hoje.
Os algoritmos das redes são feitos para criar grupos com interesses específicos, reunir gente que pensa igual em grupos. Ah, mas a vida sempre foi assim. Não subestime o poder de conviver o tempo inteiro só com quem pensa igual.
Quem quer ganhar muitos seguidores tem de criar medo ou ódio. Eleição roubada é um prato cheio, Trump fez sobre os votos por correio e vejam como acabou.
Ocorre que, na dinâmica das redes, cria-se um lado oposto igualmente radical. Em vez de compreender o tema e resolver a questão, passa a sistematicamente fazer oposição a tudo o que o primeiro lado diga. E também não importará mais o que é ou não verdade. Respeito pode esquecer.
Aliás, hoje eu fiz um artigo sobre como isso funcionou para desinformar sobre pandemia. Surgia uma teoria conspiratória, muita gente séria se empenhava tanto em negar que acabou negando a ciência e a realidade.
Mais adiante eu te conto por que é ANTICIÊNCIA usar fatos ou a verificação de fatos como ferramenta para mudar opinião de quem acredita em narrativas e/ou está em grupos radicais.
Agora vamos voltar à urna em si. Ela surge para dar conta da imensa criatividade do brasileiro em esculhambar tudo e fraudar votação em papel até na hora da contagem. É o maior avanço que tivemos na confiabilidade das eleições.
É um desses casos do clichê que “à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”. À urna não basta ser segura e auditável, as pessoas têm de acreditar nisso e acreditar não depende de fatos.
Por isso, quando as pessoas começaram a entender mais de computador e começaram a questionar se um vírus podia invadir a urna como invadia o computador delas, já começaram a pensar num remédio para a credibilidade.
A coisa piorou com redes sociais e celulares que filmam. Gente que se embanana com a urna começou a pensar que havia alguma coisa errada, filmar e colocar na internet, gerando boatos difíceis de desmentir.
Foi assim que surgiu a alternativa da impressão que pudesse ser vista pelo eleitor mas não levada embora, ficasse numa urna inviolável. Há muitos anos se estuda isso e não porque a urna não seja segura, mas porque o eleitor precisa confiar nela.
Nossa confiança não é baseada em fatos. Confiamos em quem já nos traiu e desconfiamos de quem nunca nos fez nada de mal. Acreditar independe de fatos. Isso não sou eu quem digo, é a ciência.
Logo mais será lançado nos Estados Unidos - e em setembro aqui no Brasil - o livro “The Power of Us”. Ele traz para a realidade da religião, da política e dos fandoms do século XXI, um clássico da psicologia que estudou como é possível continuar acreditando em coisas que já foram desmentidas por fatos que reconhecemos como verdadeiros.
O livro de 1956 estudou um culto que acreditava no fim do mundo numa determinada data e continuou acreditando mesmo depois que o mundo não acabou naquele dia.
Todo mundo ama alguém que virou paquita de político. Você sabe bem que pouco importa o fato que você mostre sobre o tal político, sempre tem uma desculpa e uma justificativa.
Há muitas pessoas que se equivocam e usam o trabalho de agências de fact-checking para contrapor pessoas que propagam fake news ou narrativas de grupos radicais. Elas só vão propagar mais.
Fact-checking é muito útil para quem realmente está em dúvida sobre o ocorrido e aberto a compreender diversos ângulos de um tema. Também é útil para quem sai de grupos radicais e quer compreender como havia sido manipulado.
Há 5 fatores que levam pessoas a continuar acreditando em algo mesmo reconhecendo um fato que desmente a crença. Os dois mais importantes para a Cidadania Digital são:
1. O quanto a pessoa já se expôs e se comprometeu moralmente defendendo a narrativa.
2. A existência de um grupo que acredite na mesma desculpa ou na mesma saída retórica e dê apoio.
No caso da urna eletrônica, a tempestade está armada. Para os grupos que acreditam em fraude nas últimas eleições, tudo é possível. O candidato desses grupos venceu mesmo com a fraude? Sim, mas era para ter vencido no primeiro turno.
Pouco adianta explicar em detalhes o funcionamento da urna eletrônica, o sistema que audita os votos, os testes de integridade, as evoluções desde a criação.
A negativa em discutir o assunto soa ainda mais suspeita para quem acredita piamente em fraude e conspiração. A insistência em ridicularizar e debochar de quem quer discutir o tema tem tornado essas pessoas ainda mais dependentes dos grupos em que se fala da fraude na eleição. O estrago está feito, é hora de consertar, não de ter razão.
Se eu tivesse o caminho das pedras para consertar isso, estaria bilionária num iate e me lixando para eleição no Brasil. Como eu estou aqui escrevendo esta newsletter para você, saiba que considero haver gente muito mais qualificada do que eu no país para chegar a uma solução efetiva.
É possível implementar o projeto da impressão para que se tire essa dúvida? É possível que ele seja implementado numa amostragem de urnas para que se mostre a integridade do sistema? Só sei que insistir em confrontar com fatos e deboche pessoas que acreditam numa conspiração não funciona, é preciso encontrar outro caminho.
A negativa da discussão e a reação pesada contra quem caiu no engodo só vai aprofundar as rivalidades e nos levar a uma situação mais perigosa que a dos Estados Unidos em 2022.
BOM, AGORA VAMOS À NOVIDADE SÓ PARA VOCÊS QUE ME ASSINAM
Desde o final do ano passado, tenho falado nas minhas redes que estava preparando um projeto com a minha parceira, Kebook, na área de Cidadania Digital.
Ele ficou pronto HOJE!!! Mas eu só vou anunciar publicamente segunda-feira, na live The Boche, às 19h30, no youtube.com/MadeleineLacsko
Conseguimos reunir num único lugar todo o conteúdo que eu produzi sobre Cidadania Digital, fruto de pesquisa e vivência.
O endereço é https://cidadaniadigital.kebook.vip/
Está com 20% de desconto até as 23h59 de segunda, promo de lançamento!
É
É uma grande alegria para mim ter concluído este trabalho e espero que vocês gostem do site. Também espero que tenham gostado da newsletter e deixem seus comentários aqui para mim!!!
Até a próxima sexta!!!!
Urna eletrônica: Ciro Gomes pode ter razão, reflita melhor
Compreendo tua percepção da realidade, certamente tu estás entendendo o jogo (doentio) que envolve a maquinaria cognitiva dos algorítimos, contudo, gostaria de acrescentar um outro detalhe muito importante (porem pouco compreendido pelos jornalistas em geral) que sobre a ciência. A ciência (sobretudo a ciências profissionalistas de institutos de pesquisas e centros acadêmicos) é quase invariavelmente formada por pessoais "míopes" em relação a coisas como contextos e associação de ideias, isto significa que as pessoas passam anos (tipo 4 ou mais anos de suas vidas) estudando pequenos recortes de algo que nem poderia ser observado no mundo real, perdem-se em teorias infinitas e em especulação dos objetos científicos que (beira a alucinação coletiva). E tudo isto vem com a embalagem (publicitaria e editorial) como se fosse a Ciência, porem, a atitude cientifica básica - que é a compreensão racional e lógica da realidade, já vem se perdendo a muito tempo. Eu entendo teu conteúdo, mas sei que o colapso do nosso mundo não envolve apenas as informações de redes sociais, envolve sobretudo os critérios e métodos básicos da ciência - sabe quantos métodos podem ser considerados científicos dentro de contextos acadêmicos? são muitos e vários deles são inclusive utilizados por teóricos da conspiração que são realmente especialista neste academicismo decadente e veem no ambiente dos algorítimos uma opção de audiência e de 'alunos' para suas ideias particulares da ciência. Posso te garantir que a argumentação científica, que nunca foi univoca de fato, hoje é uma miscelânea de vaidades e ambição de domínio da audiência que já muitas vezes aceita seguir tais pessoas apenas para apaziguar certas dúvidas lógicas plantadas pelas confusões retóricas de algorítimos e profissionais do discurso panfletário.